Especialista aponta para o uso excessivo de medicamentos no tratamento do TDAH e defende um cuidado com intervenções psicossociais
A primeira vez que o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) apareceu documentado foi em um texto médico holandês datado de 1753, segundo publicação de março deste ano, na revista Journal of Attention Disorders. De lá para cá, o transtorno ganhou maior notoriedade, sendo cada vez mais estudado, o que levou a um aumento significativo no número de diagnósticos. Segundo dados da Associação Brasileira de Déficit de Atenção (ABDA), cerca de 2 milhões de pessoas sofrem com o transtorno no Brasil. O aumento do transtorno levantou uma série de dúvidas sobre as possíveis razões por trás do crescimento. Algumas pessoas, inclusive, começaram a questionar a existência da condição ou sua banalização.
Anaísa Leal Barbosa Abrahão, doutora em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, explica que o TDAH é um transtorno do neurodesenvolvimento, caracterizado por níveis prejudiciais de desatenção, desorganização, hiperatividade e impulsividade, que afeta diversas áreas da vida. A especialista ressalta que seu início é geralmente na infância, mas pode persistir até a vida adulta.
Mas, de acordo com a especialista, ainda não existe um consenso definitivo sobre a origem do TDAH. “Alguns estudos sugerem que fatores tanto ambientais quanto genéticos podem contribuir para o desenvolvimento do transtorno”, explica.
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São vários os fatores ambientais, que podem ser prematuridade, exposição intrauterina a substâncias como tabaco, álcool e drogas, baixo peso ao nascer, problemas psicológicos maternos durante a gestação, complicações perinatais e lesões cerebrais.
Ela, no entanto, destaca que o TDAH não possui um marcador biológico específico e, embora certos genes possam estar correlacionados, não são considerados determinantes por si só.
Já a neurologista Alicia Coraspe, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HC-FMRP) da USP, fala sobre os três tipos de TDAH existentes: hiperativo/impulsivo, desatento e misto/combinado.
“No caso de pessoas com TDAH hiperativo/impulsivo, os indivíduos costumam ser inquietos, falam muito e interrompem constantemente. Já as pessoas com TDAH do tipo desatento cometem erros por falta de atenção e apresentam dificuldade para organizar tarefas e atividades”, detalha a especialista. Já o tipo misto/combinado, conforme o nome indica, mistura sintomas de desatenção com hiperatividade e impulsividade.
Segundo a neurologista, na infância, o transtorno geralmente se apresenta de forma combinada, com características de hiperatividade e desatenção. Mas, na idade adulta, o tipo mais predominante é o de desatenção.
“Compreender os sintomas do TDAH e suas variações ao longo das diferentes faixas etárias é fundamental para um diagnóstico preciso e menos estigmatizado”, enfatiza.
Alicia ainda alerta que o diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade na infância requer um olhar treinado para distinguir comportamentos típicos da idade daqueles característicos do transtorno.
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“As mudanças no estilo de vida, como o aumento do uso de telas e conteúdos digitais mais curtos, juntamente com a rotina agitada dos pais, que têm menos tempo para os filhos, têm levado mais famílias a consultórios médicos questionando a possibilidade desse diagnóstico”, afirma. No entanto, de acordo com Alicia, muitas vezes o diagnóstico de TDAH não se concretiza, sugerindo uma possível supervalorização de sintomas comportamentais que podem ser normais para a faixa etária ou reflexos do ambiente moderno.
“Já a dificuldade do diagnóstico na fase adulta está em obter relatos do comportamento do paciente na infância e na necessidade de distinguir o TDAH de outros transtornos como ansiedade, depressão, bipolaridade, disfunções da tireoide e deficiências de vitaminas, que são mais prevalentes nessa faixa etária”, comenta.
Anaísa também se preocupa com a banalização do diagnóstico do TDAH e alerta para falsos positivos. “Realizamos uma pesquisa na USP em 2022 e, ao avaliarmos 43 crianças com diagnóstico médico de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, apenas três preencheram os critérios para TDAH ao serem submetidas a escalas específicas.”
A pesquisa de Anaísa ainda indicou um uso generalizado de metilfenidato, um dos principais medicamentos usados no tratamento do TDAH. “Dos 43 participantes, a maioria fazia uso desse medicamento, sem apresentar melhorias significativas nos sintomas principais do transtorno ou nos problemas de comportamento relatados por familiares e professores.”
Ela, portanto, sugere uma abordagem mais abrangente no tratamento do transtorno, incluindo intervenções psicossociais, em vez de depender exclusivamente de tratamento farmacológico. A neurologista concorda que o tratamento do TDAH deve ser muito mais do que as medicações psicoestimulantes. “Uma boa noite de sono, bons hábitos, cronogramas e uma rotina bem estruturada, na verdade é o que muda a vida do paciente.”
As especialistas não estão sozinhas: o Conselho Federal de Psicologia, juntamente com outros órgãos e países, está promovendo a campanha Não à Medicalização da Vida, que discute os perigos associados à medicalização excessiva de crianças e adolescentes. A iniciativa também se preocupa com a identificação das crianças com TDAH, que pode resultar em estigmas e responsabilização injusta das pessoas por suas dificuldades.
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